segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Você


Relendo minhas mágoas, eu percebo que elas são como carimbos no tempo.
Como se, de alguma forma, eu conseguisse registrar para sempre o que um dia eu senti.
Por isso, a primeira impressão que eu quero deixar neste texto é de quão feliz fui com você.
Não foi ilusão. Quando eu ri, eu ri de verdade. Quando eramos um só, nossos corações batiam, sim, num mesmo compasso. Não pense que eu menti.
Você não tem culpa dos meus erros, mas a chave do meu coração eu entreguei uma vez, e perdi, e não voltei pra buscar. Eu não precisaria da chave se eu criasse um labirinto em torno dele, um labirinto que nem eu mesmo soubesse como percorrer. 
Eu perdi meu coração, talvez por toda a vida.
Pode me chamar de covarde, mas acho que eu preferi mergulhar em morfina do que sentir qualquer coisa outra vez. Só eu sei quantas noites eu sangrei pra me ver curado. 
Mas isso não significa que você não tenha valido nada.
Sem você, provavelmente eu ainda estaria no lodo, ou morto ou louco.
Sem você, eu teria um "não" carimbado na testa, e nunca teria corrido atrás do "sim"
Daqui a muito tempo, eu vou reler isso e vou lembrar de você como um anjo.
E me parece um pecado mortal machucar anjos. 
Eu fico imaginando seu rosto agora, e de quanta decepção ele deve estar refletindo.
Não sei se teria coragem de encara-lo outra vez.
Não agora que você sabe que eu não sou o principe que você sonhou e que, se você olhar pra trás, vai ver que eu nunca passei nem perto.
Eu era feliz com você.
Mas o labirinto aqui dentro talvez tenha começado a ruir, e eu vou precisar de tempo pra limpar a sujeira.
Quando estiver limpo e apresentável, eu vou te procurar.
Espero encontrar você do jeitinho que deixei, mas acho bem improvável.
Vou me contentar com braços abertos, então.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Exumação


Pense num corpo que faleceu em 27 de junho de 2011 e que, ao falecer, sua mente permaneceu intacta, funcionando a todo o vapor. Ali, por dentro, ele pedia por socorro, pra que alguém ouvisse um grito que ele não conseguia dar.
Pense num funeral nada digno. Esse corpo foi jogado numa caixa de madeira, de qualquer jeito, e depois enfiado terra abaixo. Sem cerimônias, sem comoção. Sem sequer uma voz pra dizer adeus. E então, durante todo esse tempo, ele ficou olhando para o teto do caixão, pensando em quem fora o responsável pelo seu enterro precoce. No começo, ele ainda era capaz de perdoar, mas com o tempo, ele pode ver que, em vida, não passou de um objeto para o coveiro. 
Um objeto muito valioso pra permanecer enterrado.
Por uma ou duas vezes, talvez em sonho, ele se projetou para fora da terra. E lá estava o coveiro, com uma outra vítima qualquer sorrindo inocentemente, sem saber que ocuparia a cova ao lado. 
E então, num dia sem importância, eu ouço a terra sendo revirada perto de mim. Era um novo enterro. Finalmente o coveiro havia se cansado do brinquedo novo. 
E, estranhamente, quis o velho de volta.
Mas o velho ficou quatro meses enterrado,pensando toda noite em porque estava ali a contra vontade, pensando em todos os erros que tinha cometido, e sabia bem que não valia a pena cometê-los outra vez. Não iria pedir desculpas por coisas que não fez, nem assumiria culpas que não tinha o dever de carregar. Quatro meses enterrado muda o corpo e a cabeça de um homem. Estranho não saberem disso.
Estranho te desenterrarem depois de tanto tempo e esperar um abraço apertado e todo o carinho de volta. 
Estranho querer resgatar o passado que você mesmo enterrou. 
Não se surpreenda se ele for mais esperto que você e te enterrar na mesma vala.